Uma das características que define a instituição
maçónica é a sua forma ritualista segundo rezava inclusivamente, um dos
artigos da Constituição Maçónica de 1926. Esta foi sem dúvida, uma das
prerrogativas que mais interesse e mistério suscitou nas sociedades onde o
fenómeno cresceu ao longo dos tempos. Se olharmos para muitos artigos e livros
podemos ver que estes rituais são muitas vezes adulterados e falsificados,
viciando a descrição de cerimónias e actos que em nada se parecem com a
realidade e patenteando palavras que nunca significaram nada de facto para a simbologia
dos rituais maçónicos.
A nossa
vida baseia-se quase toda em desígnios de rituais, não nos esquecendo que muitos
dos actos de cortesia e de civilidade são eles próprios ritualistas. A
utilização de medalhas, de amuletos, de emblemas, sejam eles de que tipo forem são
normalmente actos simbólicos ou ritualistas que nem sempre temos em
consideração. Qualquer cerimónia religiosa, cristã ou pagã, por exemplo, é um
ritual mais ou menos consciencializado. O que estas afirmações pretendem
lembrar é que o ritual maçónico é apenas mais um entre tantos outros que abundam
na nossa via quotidiana. É de notar que os rituais da Maçonaria têm vindo-se a simplificar com o passar dos tempos à
semelhança do que acontece com os rituais cristãos. No entanto, o significado
histórico e moral do ritual é de conhecimento obrigatório para qualquer Maçon apesar
da sua simplificação.1
Existe
dentro da Maçonaria uma corrente espiritualista
que vê os rituais muito mais do que conjuntos de símbolos ou de prácticas
simbólicas de fácil explicação racionalista, da qual poderia haver uma abolição
por completo sem que a essência da Ordem fosse afectada. Para esta corrente
específica, a Maçonaria dispõe de um
método próprio conhecido como a Verdade
Absoluta ou a chamada de Via
Iniciática. Esta iniciação leva o individuo ao verdadeiro conhecimento por
uma iluminação interior. Esta iniciação real deve distinguir-se da simbólica,
que é apenas um reflexo da primeira. Há autores que consideram o método
iniciático meramente intuitivo, sendo utilizados símbolos para essa aproximação
da iluminação, do conhecimento. É difícil a tradução fidedigna dos símbolos
maçónicos para uma linguagem usual e segundo as palavras de C.Chevillon, “só o
silêncio pode permitir-nos entender a via subtil das essências”. Nas palavras
de F.Pignatel, “os verdadeiros segredos da Maçonaria
são aqueles que não se dizem ao adepto e que ele deve aprender a conhecer
pouco a pouco, soletrando os símbolos”. 2
Demarca-se
assim um confronto entre uma concepção religiosa e metafísica da Maçonaria ligada à nostalgia do Cristianismo
e uma forte resistência de todos os que a vêem como uma instituição laica,
racionalista e progressiva. Um fenómeno que se encontra na vanguarda do
conhecimento humano e das conquistas sociais e políticas da Humanidade não é
compatível com uma vertente religiosa baseada em métodos não científicos. Há
a defesa do ritual enquanto práctica indispensável à união da Ordem, mas existe
também a rejeição de qualquer explicação que não seja puramente racionalista e
simbólica.
O
momento mais importante da vida de um Maçon é a cerimónia de Iniciação. É
considerado como um verdadeiro baptismo maçónico, que se destina a admitir um
“profano” no seio da Irmandade. No que se designa como “câmara das reflexões”,
que simboliza a Terra e a Morte, o futuro Maçon assina um compromisso de honra,
responde a um questionário sobre os deveres de todo o Homem e faz uma
declaração de princípios de natureza moral, filosófica ou política chamada de
“O Testamento”. Dá-se o encontro numa sala entre o ainda profano e os restantes
Maçons, onde são testadas as qualidades e os propósitos, havendo no final a
aceitação ou rejeição do iniciado. Esta é uma cerimónia que tendeu a
simplificar-se, principalmente em Maçonarias
que foram alvo de perseguições e viveram na clandestinidade. No
juramento maçónico do Grande Oriente
Lusitano, a essência deste acto é:
“Pela minha
honra, de minha livre e espontânea vontade, na presença do Supremo Arquitecto
do Universo e desta Respeitável Loja, juro e prometo, solene e sinceramente,
não revelar nunca os segredos e mistérios da Maçonaria actualmente meus
conhecidos ou que de futuro venha a conhecer, senão a um bom amigo e legítimo
Maçon ou numa Loja regularmente constituída; a não dizer nem por qualquer forma
divulgar o que pude ver e ouvir, ou acidentalmente descobrir dentro ou fora das
Assembleias Maçónicas, sem que para isso haja obtido licença dos corpos
superiores, legalmente constituídos, e somente pela forma que me for indicada;
a trabalhar com zelo, constância e regularidade na obra da Maçonaria,
procurando a Verdade; a amar os meus irmãos, ajudá-los e socorrê-los nas suas
necessidades. Igualmente juro e prometo observar a Constituição e Regulamento
Geral, as leis do Rito Escocês Antigo e Aceite, e Regulamento desta respeitável
Loja e Grande Oriente Lusitano, e todas as leis maçónicas em vigor”.
3
Este
conceito de Iniciação deriva da palavra Initium,
que significa entrada e começo, entrada num novo caminho ou começo de uma
nova existência. É assim um acto considerado como um segundo nascimento e uma
regeneração. Esta ideia de segundo nascimento está relacionada à abertura de
um outro mundo ao ser humano e de regeneração está associada ao restabelecimento
das prerrogativas naturais e à condução ao estado primordial da Humanidade. Para
que o profano se torne iniciado terá de “morrer e nascer de novo”. Este
nascimento será para um novo mundo, para um mundo de Luz e de Conhecimento.
Esta
“morte” encaminha para o terceiro nascimento que é a passagem efectiva da ordem
psíquica à espiritual. Esta influência espiritual será uma espécie de semente
lançada num terreno que poderá ou não ter condições para evoluir e dar origem ao
verdadeiro desenvolvimento espiritual, a uma nova planta. Após esta transmissão
de influência, o neófito segue todo o processo de instrução iniciática que terá
de ser acompanhado por um guia espiritual, por um mestre. No caso particular
das tradições maçónicas, este guia não é um único individuo mas sim toda a
comunidade que recebeu o novo iniciado. Para que este processo seja
bem-sucedido, é necessário que haja uma filiação legítima e autêntica de toda a
comunidade. Existe um grande rigor seguido pelas instituições iniciáticas,
podendo haver mudanças consoante cada momento cíclico, sem que no entanto,
sejam incorporados elementos de outras formas tradicionais. 4
O
alcance do conhecimento é conseguido através desta iniciação, que é feita por
fases e que torna o medo de chegar ao conhecimento algo impossível. Estas
provas ou fases são normalmente conhecidas como viagens simbólicas que conduzem
o individuo das Trevas para a Luz, purificando-o ao longo do caminho. As
viagens relacionam-se com os diferentes elementos, remetendo o Ser para um
estado de simplicidade e de caos que “aguarda a Luz para que a perfeição
primordial se refaça”.
Neste
processo de Iniciação as possibilidades da natureza individual são a
matéria-prima e que para esta matéria se organize é necessário que receba
iluminação, a influência espiritual e daí as expressões de dar e de receber a
Luz. Quem transmite essa Luz, essa influência espiritual fá-lo em nome de toda
a comunidade e não em nome próprio. Uma das principais acções deste ritual é
a conhecida como “Descida aos Infernos”, onde o iniciado se purifica esgotando
assim todas as suas possibilidades inferiores. As possibilidades do estado profano
são esgotadas para que o Ser possa desenvolver livremente as
possibilidades de ordem superior que traz em si mesmo.
A
Iniciação implica um conhecimento profundo sobre cada um de nós e a existência
de uma elite composta por quem está apto a receber esse ensinamento especial. A
constituição da elite segue uma linha de apoio à qualidade e não à quantidade, pois
todos podem ser chamados mas poucos serão os verdadeiros escolhidos. 5
Ana Cristina Santos
Fontes:
1
- MARQUES, A.H. DE OLIVEIRA – A Maçonaria Portuguesa e o Estado Novo.
Publicações Dom Quixote 1975. Consultado a 16 de Outubro de 2013, pelas 19h
2
-
Idem
3 - Idem
4 - CARVALHO,
ANTÓNIO CARLOS – Para a história da MAÇONARIA em Portugal 1913-1935. Editorial
Vega 1976. Consultado a 17 de Outubro de 2013, pelas 20h
5
- Idem