sábado, 19 de outubro de 2013

Os Rituais Maçónicos e o Segundo Nascimento


         Uma das características que define a instituição maçónica é a sua forma ritualista segundo rezava inclusivamente, um dos artigos da Constituição Maçónica de 1926. Esta foi sem dúvida, uma das prerrogativas que mais interesse e mistério suscitou nas sociedades onde o fenómeno cresceu ao longo dos tempos. Se olharmos para muitos artigos e livros podemos ver que estes rituais são muitas vezes adulterados e falsificados, viciando a descrição de cerimónias e actos que em nada se parecem com a realidade e patenteando palavras que nunca significaram nada de facto para a simbologia dos rituais maçónicos.
            A nossa vida baseia-se quase toda em desígnios de rituais, não nos esquecendo que muitos dos actos de cortesia e de civilidade são eles próprios ritualistas. A utilização de medalhas, de amuletos, de emblemas, sejam eles de que tipo forem são normalmente actos simbólicos ou ritualistas que nem sempre temos em consideração. Qualquer cerimónia religiosa, cristã ou pagã, por exemplo, é um ritual mais ou menos consciencializado. O que estas afirmações pretendem lembrar é que o ritual maçónico é apenas mais um entre tantos outros que abundam na nossa via quotidiana. É de notar que os rituais da Maçonaria têm vindo-se a simplificar com o passar dos tempos à semelhança do que acontece com os rituais cristãos. No entanto, o significado histórico e moral do ritual é de conhecimento obrigatório para qualquer Maçon apesar da sua simplificação.1
            Existe dentro da Maçonaria uma corrente espiritualista que vê os rituais muito mais do que conjuntos de símbolos ou de prácticas simbólicas de fácil explicação racionalista, da qual poderia haver uma abolição por completo sem que a essência da Ordem fosse afectada. Para esta corrente específica, a Maçonaria dispõe de um método próprio conhecido como a Verdade Absoluta ou a chamada de Via Iniciática. Esta iniciação leva o individuo ao verdadeiro conhecimento por uma iluminação interior. Esta iniciação real deve distinguir-se da simbólica, que é apenas um reflexo da primeira. Há autores que consideram o método iniciático meramente intuitivo, sendo utilizados símbolos para essa aproximação da iluminação, do conhecimento. É difícil a tradução fidedigna dos símbolos maçónicos para uma linguagem usual e segundo as palavras de C.Chevillon, “só o silêncio pode permitir-nos entender a via subtil das essências”. Nas palavras de F.Pignatel, “os verdadeiros segredos da Maçonaria são aqueles que não se dizem ao adepto e que ele deve aprender a conhecer pouco a pouco, soletrando os símbolos”. 2
                Demarca-se assim um confronto entre uma concepção religiosa e metafísica da Maçonaria ligada à nostalgia do Cristianismo e uma forte resistência de todos os que a vêem como uma instituição laica, racionalista e progressiva. Um fenómeno que se encontra na vanguarda do conhecimento humano e das conquistas sociais e políticas da Humanidade não é compatível com uma vertente religiosa baseada em métodos não científicos. Há a defesa do ritual enquanto práctica indispensável à união da Ordem, mas existe também a rejeição de qualquer explicação que não seja puramente racionalista e simbólica.
            O momento mais importante da vida de um Maçon é a cerimónia de Iniciação. É considerado como um verdadeiro baptismo maçónico, que se destina a admitir um “profano” no seio da Irmandade. No que se designa como “câmara das reflexões”, que simboliza a Terra e a Morte, o futuro Maçon assina um compromisso de honra, responde a um questionário sobre os deveres de todo o Homem e faz uma declaração de princípios de natureza moral, filosófica ou política chamada de “O Testamento”. Dá-se o encontro numa sala entre o ainda profano e os restantes Maçons, onde são testadas as qualidades e os propósitos, havendo no final a aceitação ou rejeição do iniciado. Esta é uma cerimónia que tendeu a simplificar-se, principalmente em Maçonarias que foram alvo de perseguições e viveram na clandestinidade. No juramento maçónico do Grande Oriente Lusitano, a essência deste acto é:
“Pela minha honra, de minha livre e espontânea vontade, na presença do Supremo Arquitecto do Universo e desta Respeitável Loja, juro e prometo, solene e sinceramente, não revelar nunca os segredos e mistérios da Maçonaria actualmente meus conhecidos ou que de futuro venha a conhecer, senão a um bom amigo e legítimo Maçon ou numa Loja regularmente constituída; a não dizer nem por qualquer forma divulgar o que pude ver e ouvir, ou acidentalmente descobrir dentro ou fora das Assembleias Maçónicas, sem que para isso haja obtido licença dos corpos superiores, legalmente constituídos, e somente pela forma que me for indicada; a trabalhar com zelo, constância e regularidade na obra da Maçonaria, procurando a Verdade; a amar os meus irmãos, ajudá-los e socorrê-los nas suas necessidades. Igualmente juro e prometo observar a Constituição e Regulamento Geral, as leis do Rito Escocês Antigo e Aceite, e Regulamento desta respeitável Loja e Grande Oriente Lusitano, e todas as leis maçónicas em vigor”. 3
            Este conceito de Iniciação deriva da palavra Initium, que significa entrada e começo, entrada num novo  caminho ou começo de uma nova existência. É assim um acto considerado como um segundo nascimento e uma regeneração. Esta ideia de segundo nascimento está relacionada à abertura de um outro mundo ao ser humano e de regeneração está associada ao restabelecimento das prerrogativas naturais e à condução ao estado primordial da Humanidade. Para que o profano se torne iniciado terá de “morrer e nascer de novo”. Este nascimento será para um novo mundo, para um mundo de Luz e de Conhecimento.
            Esta “morte” encaminha para o terceiro nascimento que é a passagem efectiva da ordem psíquica à espiritual. Esta influência espiritual será uma espécie de semente lançada num terreno que poderá ou não ter condições para evoluir e dar origem ao verdadeiro desenvolvimento espiritual, a uma nova planta. Após esta transmissão de influência, o neófito segue todo o processo de instrução iniciática que terá de ser acompanhado por um guia espiritual, por um mestre. No caso particular das tradições maçónicas, este guia não é um único individuo mas sim toda a comunidade que recebeu o novo iniciado. Para que este processo seja bem-sucedido, é necessário que haja uma filiação legítima e autêntica de toda a comunidade. Existe um grande rigor seguido pelas instituições iniciáticas, podendo haver mudanças consoante cada momento cíclico, sem que no entanto, sejam incorporados elementos de outras formas tradicionais. 4
            O alcance do conhecimento é conseguido através desta iniciação, que é feita por fases e que torna o medo de chegar ao conhecimento algo impossível. Estas provas ou fases são normalmente conhecidas como viagens simbólicas que conduzem o individuo das Trevas para a Luz, purificando-o ao longo do caminho. As viagens relacionam-se com os diferentes elementos, remetendo o Ser para um estado de simplicidade e de caos que “aguarda a Luz para que a perfeição primordial se refaça”.
            Neste processo de Iniciação as possibilidades da natureza individual são a matéria-prima e que para esta matéria se organize é necessário que receba iluminação, a influência espiritual e daí as expressões de dar e de receber a Luz. Quem transmite essa Luz, essa influência espiritual fá-lo em nome de toda a comunidade e não em nome próprio. Uma das principais acções deste ritual é a conhecida como “Descida aos Infernos”, onde o iniciado se purifica esgotando assim todas as suas possibilidades inferiores. As possibilidades do estado profano são esgotadas para que o Ser possa desenvolver livremente as possibilidades de ordem superior que traz em si mesmo.
            A Iniciação implica um conhecimento profundo sobre cada um de nós e a existência de uma elite composta por quem está apto a receber esse ensinamento especial. A constituição da elite segue uma linha de apoio à qualidade e não à quantidade, pois todos podem ser chamados mas poucos serão os verdadeiros escolhidos. 5
 
Ana Cristina Santos
        Fontes:
1 -  MARQUES, A.H. DE OLIVEIRA – A Maçonaria Portuguesa e o Estado Novo. Publicações Dom Quixote 1975. Consultado a 16 de Outubro de 2013, pelas 19h
2 - Idem
3 - Idem
4  - CARVALHO, ANTÓNIO CARLOS – Para a história da MAÇONARIA em Portugal 1913-1935. Editorial Vega 1976. Consultado a 17 de Outubro de 2013, pelas 20h
5 - Idem
 
 

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