“Antes as famílias reuniam-se à volta da lareira e hoje reúnem-se à volta do Skype”. Esta é a interpretação de Eduardo Paz Ferreira quando o desemprego preocupa milhares de europeus. O futuro negro e incerto de Portugal marcou o debate e o descontentamento saiu à rua nos 103 anos da implantação da República
Carlos Dias juntou-se ao pequeno
grupo de manifestantes do movimento “Que se lixe a troika!”. De pólos vermelhos, bonés, casacos de cabedal, cartazes,
máquinas fotográficas e os pés bem assentes na calçada portuguesa, os
protestantes abafaram com vaias o hino que não foi cantado alto o suficiente
neste 5 de Outubro.
Este outrora feriado foi pretexto para dar som ao descontentamento
enquanto a bandeira ‘portuguesa com certeza’ era hasteada pelo Presidente da
República. Mas nem o calor do protesto fez com que Cavaco Silva, Pedro Passos
Coelho e António Costa desviassem a sua atenção da mesma bandeira e da mesma
varanda que, em 1910, declarava mudanças.
Curiosamente, na véspera deste dia inundado
por um calor atípico para o início do novo mês, discutiram-se realidades igualmente
importantes, em Lisboa. A
sala forrada a azul, vermelho e branco presta tributo a um dos mais
conhecidos compositores portugueses do século XX, Luís Freitas Branco. Após cruzar dezenas de escadas
de pedra mármore, uma entrada de madeira faia surge, tal como muitas das suas
orquestrações, impetuosa. Chegámos à sua sala.
O debate “A cidadania europeia e os desafios
da empregabilidade“ centra-se no que mais preocupa os cidadãos europeus - o
desemprego. Sobre este tema, o jurista Eduardo Paz Ferreira, com um pequeno
bloco de notas e o seu fato azul-escuro, não tardou em fazer soltar o seu
sentido de humor. “Antes as famílias reuniam-se à volta da lareira e hoje
reúnem-se à volta do Skype”. A
crise como um “período nada transitório como costuma ser a sua natureza” e um
“pântano escorregadio e instável” é uma das pontes para falar do regresso do
fenómeno dos anos 60 – a emigração portuguesa.
A necessidade de dar resposta ao desemprego
está cada vez mais presente nas redes sociais e na televisão com programas
como Portugueses pelo Mundo. E para
o ambientalista José Soromenho Marques “não é a União Europeia que precisa de
salvação devido ao seu defeito genético de design mas sim a economia de mercado”. Ao lado deste, o professor
Adriano Moreira sobe ao púlpito para sublinhar a dignidade do Homem como
principal princípio para a sociedade numa Europa vítima de situações injustas.
Alerta, ainda, para “essa espécie de terceira guerra mundial (tal como Nixon
defendera)” e “um ‘neo-riquismo’ vivido pelos europeus”.
Preocupada com os 15 trabalhadores portugueses recentemente
desalojados de Mühlenbach, uma das
habitações sociais para emigrantes em Luxemburgo, Marisa Matias em representação
do Gabinete do Parlamento Europeu, apresenta a UE como “objecto político não
identificado”. Rasga um sorriso e lança uma interpretação provocatória sobre as
duas velocidades da UE. “A Norte vivem os virtuosos e a Sul os preguiçosos.” A
sala pára, tira notas e, segundos depois, dezenas de posts aparecem nas redes sociais como o facebook ou o twitter. Já
Maria Graça Carvalho, monocórdica, manifesta uma nítida preocupação em
relação ao orçamento europeu que definirá o futuro dos cidadãos dos 27
estados-membros até 2020.
Os deputados europeus António Correia de Campos e João Ferreira
defenderam visões unânimes sobre o Estado Social na Europa. A inexistência de
instrumentos directos no combate ao desemprego e o crescente individualismo
faz da última intervenção de João Ferreira, a mais sarcástica daquela manhã
de sexta-feira: “Se os ricos não tratarem dos pobres, um dia os pobres vão
tratar dos ricos”.
Ao mesmo tempo que a cidadania europeia e o desemprego animavam
a conversa no CCB, a oitava e nona avaliação estavam a ser discutidas na
Assembleia da República. A caminho do novo ano e com estreitas relações com a
Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional,
a troika consagra-se chefe
omnipresente de Portugal e estabelece objectivos concretos da política
orçamental para 2014.
Ninguém lhes ficou indiferente. Desde o final daquela manhã, as
mais recentes obrigações tornam-se alvo de comentários nos mais variados
meios de comunicação social desde a TSF à TVI, no café ‘O Restelo’ ou noutras
tertúlias, nas paragens de autocarro ou entre alunos e professores nas
universidades.
Cavaco Silva desvaloriza a imprevisibilidade do comportamento
dos mercados e a previsão da recessão para o mesmo ano, manifestamente convencido
que o crescimento económico, a estabilidade política e o orçamento de estado
para 2014 são os três factores fundamentais para o Governo conseguir cortar
3,6 milhões de euros em apenas 365 dias. “Era uma vez” um segundo resgate
para Portugal, acredita o Presidente da República.
Já Pedro Passos Coelho alerta os portugueses para uma nova vaga
de austeridade, como de se de uma lufada de ar fresco se tratasse, uma vez
que o crescimento da economia no terceiro trimestre não irá ser o suficiente.
“Muitas das medidas que nós temos, estas ou outras, terão de se manter
durante muito tempo se quisermos manter Portugal dentro do euro e dentro da
disciplina orçamental” declara, repetidamente, o primeiro-ministro nos
noticiários da noite.
Após a manifestação do outrora feriado comemorativo da República
Portuguesa, as novas avaliações da troika
e a meta da ‘Volta a Portugal’ do défice definem os dias de negociação do
próximo OE. Mais uma ronda de austeridade marcada pelo aumento da idade da
reforma, convergência de sistemas e de regras de trabalho, cortes nos
salários e nas pensões de sobrevivência. Desempregado há quase dois anos,
Carlos Dias chega a casa. E o futuro continuará igual.
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