quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Uma Lisboa abstencionista

      “No melhor pano cai a nódoa”, já diziam os mais antigos. Neste caso, no melhor regime possível, o democrático, cai também sobre ele um grande problema que põe a descoberto o seu mau funcionamento: a abstenção. Este continua a ser um tema que reclama para si muitas das atenções sempre que é revelado um resultado eleitoral e estas autárquicas não constituíram excepção.

                No caso do município de Lisboa, que continua a disputar, conjuntamente com Faro e Setúbal, os lugares do pódio da abstenção nacional, verificou-se dia 29 do mês passado que, mais uma vez, a taxa aumentou para níveis recordes. Deste modo, Lisboa arrecadou uma taxa que ronda os 55%, crescendo cerca de 8 pontos percentuais face às últimas eleições autárquicas. No entanto, é com alguma surpresa que também se verifica que o número de votantes subiu, ainda que timidamente (de 61,87% para 62,19%).1

Revendo todas as possíveis causas que podem influenciar a taxa de abstenção, é possível dizer que em Lisboa todas elas se verificaram, com mais ou menos peso. No entanto, e tirando casos mais esporádicos e particulares, que de facto merecem também uma apreciação e uma análise detalhada, é importante discorrer sobre as grandes linhas das causas da abstenção nestas eleições autárquicas de 2013.

As questões acerca da parca cultura política; de um sentimento de alheamento; da não-identidade com os partidos e do desinteresse generalizado são já sobejamente conhecidas, mas o que realmente veio acicatar mais uma vez as opiniões em volta da abstenção reside na questão da falta de esclarecimento eleitoral, principalmente por parte dos media. Esta foi uma questão amplamente criticada por todos os partidos do espectro político visto que, por decisão do CNE (Comissão Nacional de Eleições), é exigido por lei que todos os candidatos tenham o mesmo tempo de antena e a mesma cobertura mediática, seguindo o princípio da não-discriminação.

A decisão da CNE parte da experiência de anos eleitorais anteriores em que houve queixas e manifestações por parte de alguns partidos ou movimentos que se sentiram discriminados por parte dos media e que sentiram que o seu resultado eleitoral saiu prejudicado face à pouca cobertura por parte dos mesmos, interpelando a CNE para que a lei fosse aplicada de forma mais igualitária para todos os candidatos.

Em alguns concelhos tal resultaria em debates com nove candidatos (como no caso do município de Lisboa), sendo que os canais televisivos vieram a público dizer que tal era “humanamente impossível”. Desta forma, optaram por não realizar debates e a campanha eleitoral saiu gravemente prejudicada, assim como o direito à informação.2

Antes de entrar no hotel Altis (a segunda "sede do PS em momentos importantes) na noite eleitoral, Costa aproveitou também ele para criticar esta decisão da CNE dizendo que iria haver “uma abstenção infelizmente elevada mas que não é surpreendente tendo em conta o quase silêncio a que as eleições locais foram votadas”. Assim, percebe-se que Costa põe grande ênfase na culpa que teve a CNE mas também as próprias televisões que, num momento de crise e de necessidade de participação democrática que beneficiaria o PS dada a conduta desastrosa do PSD, deveriam fazer um esforço para informar o público porque é também a partir dos media que as pessoas são educadas para a política.3

Reitera ainda que esta lei existe há muitos anos mas “o que foi novo foi a posição da CNE e das televisões”.

Segundo o artigo 49ª da Lei Eleitoral Autárquica, “os órgãos de comunicação social que façam cobertura da campanha eleitoral devem dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas”. 4

António Costa frisou que esta é uma lei que vigora já desde 2001 mas que, no entanto, tanto a CNE como o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal de Justiça decidiriam que seria este o ano em que fariam uma interpretação diferente ou chamariam a atenção para um melhor cumprimento da lei, quebrando o precedente que até agora tinha vigorado acerca dos debates e da cobertura televisiva.

Esta campanha restritiva demonstrou ser prejudicial à democracia mas a CNE alerta que apenas fez cumprir a lei e que deve ser a Assembleia da República a ter a iniciativa visto que foram os partidos do arco da governação a ressentir-se com esta interpretação da lei e que mais se fizeram ouvir acerca deste problema.

Continuando a descortinar as possíveis causas da abstenção, pode dizer-se que o saldo migratório justifica, em parte, a alta taxa de abstenção em Lisboa. Este é um município que, igualmente à maioria dos restantes, tem vindo a verificar um saldo migratório cada vez menor, visto que o país é cada vez menos atraente para os estrangeiros, o que faz com que o número de pessoas a exportarem a sua força de trabalho seja superior ao número de pessoas que entram no país.

No caso da capital, a mudança no saldo migratório tem vindo a ser um dos problemas da cidade, tendo flutuado entre um saldo positivo de cerca de 2000 imigrantes em 2001 e mais de 11 500 emigrantes no ano de 2012. De outro prisma, e segundo os censos de 2011 disponibilizados pelo INE, existe ainda uma diminuição de cerca de 15 000 residentes, o que contribui igualmente para o agravamento da taxa.

Os efeitos que a emigração tem na taxa de abstenção são muito negativos visto que a cidade perde uma pequena parte do seu eleitorado, sendo que o partido socialista perde ele mesmo parte dos seus apoiantes.

O nível salarial e as próprias habilitações das pessoas podem ser um factor pouco estimulante na hora de votar pois são variáveis que afastam as pessoas da vida política e tal pode facilmente verificar-se em Lisboa. Primeiro, porque é uma cidade cada vez mais envelhecida, e pessoas destas faixas etárias têm um menor grau de escolaridade, resultando na pouca discussão e reflexão dos assuntos políticos e num alheamento provocado por uma temática que é aparentemente pouco chamativa e até um pouco confusa para os que não têm tantos conhecimentos.
Colmatando com uma afirmação de Lijphart: "A abstenção é um fenómeno muito importante. E ela é importante porque representa uma forma funcional de desigualdade política e, participação desigual significa influência desigual, na medida em que acarreta importantes consequências para quem é eleito e para o conteúdo das políticas públicas."
O perigoso passa a ser quando o paradoxo em que o “partido da abstenção” passa a ser o mais votado e a alta taxa de abstenção é vista como normal numa democracia. Isto porque, segundo a óptica de Liphjart, visto que são os sectores mais desfavorecidos aqueles que em principio menos votam, é possível concluir que não influenciarão as tomadas de decisão e que não farão parte delas, logo, existirão desigualdades no acesso ao processo de tomada de decisão e, por fim, uma desigualdade política visto que boa parte do eleitorado não intervem. Deste modo, a democracia sai lesada pois as desigualdades políticas poderão produzir desigualdades a nível social, começando então a criar-se um ciclo vicioso difícil de travar.5
             
                                                                                                               Joana Lemos
                                                                                                               nº 212278


Fontes:
1 Porto com menor abstenção do país, Lisboa única a crescer em participação, in Jornal de Notícias, www.jn.pt, consultado a 09 Outubro 2013, 22:31 (http://www.jn.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=1871633)
2 Lusa, Televisões queixam-se da CNE e vão limitar cobertura da campanhas das autárquicas, in Sic Notícias Online, www.sicnoticias.sapo.pt, consultado a 07 Outubro 2013, 19:57 (http://sicnoticias.sapo.pt/pais/2013/09/10/televisoes-queixam-se-da-cne-e-vao-limitar-cobertura-da-campanha-das-autarquicas)
3 Vídeo António Costa critica a posição da CNE e das televisões generalistas sobre a cobertura da campanha, in Sic Notícias Online, www.sicnoticias.sapo.pt, consultado a 05 Outubro 2013 (http://sicnoticias.sapo.pt/pais/2013/09/29/antonio-costa-critica-a-posicao-da-cne-e-das-televisoes-generalistas-sobre-a-cobertura-da-campanha)
4 Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, Título IV, Capítulo II, Artigo 49º (Comunicação Social), in site Comissão Nacional de Eleições, www.cne.pt, consultado a 08 Outubro 2012, 22:06 (http://www.cne.pt/sites/default/files/dl/legis_leoal_2012.pdf),
5 Herrmann de Oliveira, Luzia Helena, Voto obrigatório e equidade: um estudo de caso, in www.scielo,br, consultado a 08 Outubro 2014, 21:13 (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102-88391999000400016&script=sci_arttext)

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