“No melhor pano cai a nódoa”, já
diziam os mais antigos. Neste caso, no melhor regime possível, o democrático, cai
também sobre ele um grande problema que põe a descoberto o seu mau
funcionamento: a abstenção. Este continua a ser um tema que reclama para si
muitas das atenções sempre que é revelado um resultado eleitoral e estas
autárquicas não constituíram excepção.
No caso do município de Lisboa,
que continua a disputar, conjuntamente com Faro e Setúbal, os lugares do pódio
da abstenção nacional, verificou-se dia 29 do mês passado que, mais uma vez, a
taxa aumentou para níveis recordes. Deste modo, Lisboa arrecadou uma taxa que
ronda os 55%, crescendo cerca de 8 pontos percentuais face às últimas eleições
autárquicas. No entanto, é com alguma surpresa que também se verifica que o
número de votantes subiu, ainda que timidamente (de 61,87% para 62,19%).1
Revendo todas as possíveis causas que podem influenciar a
taxa de abstenção, é possível dizer que em Lisboa todas elas se verificaram,
com mais ou menos peso. No entanto, e tirando casos mais esporádicos e
particulares, que de facto merecem também uma apreciação e uma análise
detalhada, é importante discorrer sobre as grandes linhas das causas da
abstenção nestas eleições autárquicas de 2013.
As questões acerca da parca cultura política; de um
sentimento de alheamento; da não-identidade com os partidos e do desinteresse
generalizado são já sobejamente conhecidas, mas o que realmente veio acicatar
mais uma vez as opiniões em volta da abstenção reside na questão da falta de esclarecimento
eleitoral, principalmente por parte dos media.
Esta foi uma questão amplamente criticada por todos os partidos do espectro
político visto que, por decisão do CNE (Comissão Nacional de Eleições), é
exigido por lei que todos os candidatos tenham o mesmo tempo de antena e a
mesma cobertura mediática, seguindo o princípio da não-discriminação.
A decisão da CNE parte da experiência de anos eleitorais
anteriores em que houve queixas e manifestações por parte de alguns partidos ou
movimentos que se sentiram discriminados por parte dos media e que sentiram que o seu resultado eleitoral saiu prejudicado
face à pouca cobertura por parte dos mesmos, interpelando a CNE para que a lei
fosse aplicada de forma mais igualitária para todos os candidatos.
Em alguns concelhos tal resultaria em debates com nove candidatos (como no caso do
município de Lisboa), sendo que os canais televisivos vieram a público dizer
que tal era “humanamente impossível”. Desta forma, optaram por não realizar
debates e a campanha eleitoral saiu gravemente prejudicada, assim como o
direito à informação.2
Antes de entrar no hotel Altis (a segunda "sede do PS em momentos importantes) na noite eleitoral, Costa
aproveitou também ele para criticar esta decisão da CNE dizendo que iria haver
“uma abstenção infelizmente elevada mas que não é surpreendente tendo em conta o
quase silêncio a que as eleições locais foram votadas”. Assim, percebe-se que
Costa põe grande ênfase na culpa que teve a CNE mas também as próprias
televisões que, num momento de crise e de necessidade de participação
democrática que beneficiaria o PS dada a conduta desastrosa do PSD, deveriam
fazer um esforço para informar o público porque é também a partir dos media que as pessoas são educadas para a
política.3
Reitera ainda que esta lei existe há muitos anos mas “o
que foi novo foi a posição da CNE e das televisões”.
Segundo o artigo 49ª da Lei Eleitoral Autárquica, “os
órgãos de comunicação social que façam cobertura da campanha eleitoral devem
dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas”. 4
António Costa frisou que esta é
uma lei que vigora já desde 2001 mas que, no entanto, tanto a CNE como o
Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal de Justiça decidiriam que seria
este o ano em que fariam uma interpretação diferente ou chamariam a atenção
para um melhor cumprimento da lei, quebrando o precedente que até agora tinha
vigorado acerca dos debates e da cobertura televisiva.
Esta campanha restritiva
demonstrou ser prejudicial à democracia mas a CNE alerta que apenas fez cumprir
a lei e que deve ser a Assembleia da República a ter a iniciativa visto que
foram os partidos do arco da governação a ressentir-se com esta interpretação da
lei e que mais se fizeram ouvir acerca deste problema.
Continuando a
descortinar as possíveis causas da abstenção, pode dizer-se que o saldo
migratório justifica, em parte, a alta taxa de abstenção em Lisboa. Este é um
município que, igualmente à maioria dos restantes, tem vindo a verificar um
saldo migratório cada vez menor, visto que o país é cada vez menos atraente
para os estrangeiros, o que faz com que o número de pessoas a exportarem a sua
força de trabalho seja superior ao número de pessoas que entram no país.
No caso da
capital, a mudança no saldo migratório tem vindo a ser um dos problemas da
cidade, tendo flutuado entre um saldo positivo de cerca de 2000 imigrantes em
2001 e mais de 11 500 emigrantes no ano de 2012. De outro prisma, e segundo os
censos de 2011 disponibilizados pelo INE, existe ainda uma
diminuição de cerca de 15 000 residentes, o que contribui igualmente para o
agravamento da taxa.
Os efeitos que
a emigração tem na taxa de abstenção são muito negativos visto que a cidade
perde uma pequena parte do seu eleitorado, sendo que o partido socialista perde
ele mesmo parte dos seus apoiantes.
O nível salarial e as próprias habilitações das pessoas podem
ser um factor pouco estimulante na hora de votar pois são variáveis que afastam
as pessoas da vida política e tal pode facilmente verificar-se em Lisboa.
Primeiro, porque é uma cidade cada vez mais envelhecida, e pessoas destas
faixas etárias têm um menor grau de escolaridade, resultando na pouca discussão
e reflexão dos assuntos políticos e num alheamento provocado por uma temática
que é aparentemente pouco chamativa e até um pouco confusa para os que não têm
tantos conhecimentos.
Colmatando com uma afirmação de Lijphart: "A abstenção é um
fenómeno muito importante. E ela é importante porque representa uma forma
funcional de desigualdade política e, participação desigual significa
influência desigual, na medida em que acarreta importantes consequências para
quem é eleito e para o conteúdo das políticas públicas."
O perigoso passa a ser quando o paradoxo em que o “partido da
abstenção” passa a ser o mais votado e a alta taxa de abstenção é vista como
normal numa democracia. Isto porque, segundo a óptica de Liphjart, visto que são os sectores
mais desfavorecidos aqueles que em principio menos votam, é possível concluir
que não influenciarão as tomadas de decisão e que não farão parte delas,
logo, existirão desigualdades no acesso ao processo de tomada de decisão e, por
fim, uma desigualdade política visto que boa parte do eleitorado não
intervem. Deste modo, a democracia sai lesada pois as desigualdades políticas
poderão produzir desigualdades a nível social, começando então a criar-se um
ciclo vicioso difícil de travar.5
nº 212278
Fontes:
1 Porto com menor abstenção do país, Lisboa única a crescer em participação, in Jornal de Notícias, www.jn.pt,
consultado a 09 Outubro 2013, 22:31 (http://www.jn.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=1871633)
2 Lusa, Televisões queixam-se da CNE e vão
limitar cobertura da campanhas das autárquicas, in Sic Notícias Online, www.sicnoticias.sapo.pt,
consultado a 07 Outubro 2013, 19:57 (http://sicnoticias.sapo.pt/pais/2013/09/10/televisoes-queixam-se-da-cne-e-vao-limitar-cobertura-da-campanha-das-autarquicas)
3 Vídeo António Costa critica a posição da CNE e das televisões generalistas
sobre a cobertura da campanha, in Sic Notícias Online, www.sicnoticias.sapo.pt,
consultado a 05 Outubro 2013 (http://sicnoticias.sapo.pt/pais/2013/09/29/antonio-costa-critica-a-posicao-da-cne-e-das-televisoes-generalistas-sobre-a-cobertura-da-campanha)
4 Lei Eleitoral dos Órgãos das
Autarquias Locais, Título IV, Capítulo II, Artigo 49º (Comunicação Social), in
site Comissão Nacional de Eleições, www.cne.pt, consultado a 08 Outubro 2012,
22:06 (http://www.cne.pt/sites/default/files/dl/legis_leoal_2012.pdf),
5 Herrmann de
Oliveira, Luzia Helena, Voto obrigatório e equidade: um estudo de caso, in www.scielo,br,
consultado a 08 Outubro 2014, 21:13 (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102-88391999000400016&script=sci_arttext)
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