terça-feira, 29 de outubro de 2013

Orçamento de Estado 2014: que Futuro?

      Que o Orçamento de Estado para 2014 é duro e contém medidas difíceis, já toda a gente sabe. O que interessa realmente saber é se todo o esforço dos cidadãos portugueses vai valer a pena a longo prazo.

       Vendo bem o panorama geral a nível económico, social e político, é notório o receio da população perante mais um corte nos seus rendimentos. As famílias pouparam, desde 2011, dinheiro que agora vão ter de gastar, se desejam sobreviver às medidas denominadas de “austeridade”. Na minha opinião, a palavra está bem longe da verdade, sendo eu uma cidadã portuguesa residente em Lisboa, que é obrigada a estar face a face com um decair social inigualável. O sistema económico em vigor apenas beneficia os mais ricos, enquanto explora mais e mais a população de que pouco tem culpa. O facto de existir um grande descontentamento perante a política e um desinteresse comum derivam, maioritariamente, das condições a que as pessoas estão sujeitas no seu dia-a-dia, formando um ciclo de desprezo perante os outros sem fim.

       Mas dissequemos o OE. A REN, ou Rede Energética Nacional, irá ser privatizada (Passos Coelho faz também tenções de prosseguir com a privatização da TAP) e os transportes das cidades do Porto e de Lisboa vão ser concessionados [1]. O imposto sobre o sector bancário vai aumentar, pelos vistos: “Em nenhum dos documentos é especificada qual é exactamente a mexida no imposto extraordinário sobre o sistema bancário, sendo que, até 2013, esta contribuição assentava na aplicação de uma taxa entre 0,01% e 0,05% sobre o passivo dos bancos (…) ”[2], rendendo ao Estado parte dos 600 milhões a mais que Passos Coelho prometeu à Troika em Maio deste ano através da implementação de medidas de consolidação orçamental[3].

       As medidas de carácter económico e de consolidação previstas no OE visam apenas a possibilidade de habilitação, por parte de Portugal, a outro resgate, programa cautelar ou empréstimo que faça com que o país volte a entrar nos mercados. Isto significa que, implícito, já que as “Troikas” mundiais simplesmente não dão dinheiro em troca de ar, estão taxas de juro e promessas de segurança altíssimas, de forma a criar uma plataforma de estabilidade e um baixo nível de risco para o investimento das empresas em solo português. Sim, é necessário investimento, mas um bom equilíbrio da balança comercial é também essencial para atingir um crescimento económico sustentável. O crescimento previsto para 2014, 0,8% e a descida da taxa de desemprego para 17,7%[4] soam a promessas infundadas, daquelas que se vêem em programas eleitorais, quando se tem em conta todos os factores que lhe estão inerentes.

       A única coisa com que a banca pode contar e, consequentemente, todo o sector financeiro, é com as remessas e depósitos dos cidadãos. Se virmos bem, todo o sistema macroeconómico é baseado na promoção da nossa utilização de bancos, desde os anúncios a créditos de diferentes companhias ao recebimento do salário pela dádiva do NIB próprio. As empresas e o próprio Estado aproveitam-se desde facto, tratando os depósitos e poupanças de uma vida inteira num jogo de especulação, que visa uma maximização do lucro e, se esse correr mal, há sempre solução: corte dos salários e pensões para compensar o investimento perdido, que, por sua vez, leva a um corte no consumo, no rendimento disponível e no investimento na economia nacional, levando à necessidade de mais fundos e recursos por parte das entidades reguladores do sistema, de maneira a não aumentar o défice estruturante e a dívida pública.

       O Conselho Económico e Social (CES), presidido por Silva Peneda, chamou a atenção para os problemas inerentes ao corte dos salários até 600 euros da função pública, pondo a ênfase no impacto social das medidas e na falta de credibilidade do Governo quando afirma a existência de crescimento económico: «em vez de se registar um crescimento de 0,8%, como prevê o Governo, 2014 pode vir a ser “um ano de estagnação económica, porventura mesmo de recessão”.»[5].

       Teixeira dos Santos, antigo Ministro das Finanças, também focou vários pontos de particular relevância, como a importância do Tribunal Constitucional como assegurador do cumprimento da Constituição e a existência de alternativas quanto ao pedido de resgate de 2011, referindo que o OE, “apesar de proceder à redução do peso da despesa, vai longe demais”[6].

        É claro que tem de se poupar na despesa e que essa tem de partir, em parte, do Estado Social, já que esse cobre uma grande fatia do Orçamento no geral. Tem é de se cortar na despesa com pés e cabeça e de forma justa e equitativa, coisa que não se verifica actualmente. Nuno Magalhães, líder parlamentar do CDS-PP, só pode estar negação quando afirma, perante a (subida) do imposto aplicado ao sector bancário, que “Isso combate a ideia mil vezes repetida, mas ainda assim falsa de que este OE não é equitativo na redistribuição dos sacrifícios (…) Onde é que está a espiral recessiva imparável quando podemos ter dois trimestres consecutivos a crescer economicamente? [7]”.

        É nestas alturas que nós, como cidadãos, temos de dar a mão à palmatória por termos um órgão que outros sistemas de governo não têm: o Tribunal Constitucional. É ele que assegura a efectivação da Constituição e a garantia dos nossos direitos e liberdades. É exactamente por isso que nos devemos preparar para a sua eventual reformulação de funções, devido a todos os entraves que põe aquando da implementação de medidas de “austeridade” externas ao país. Até José Sócrates, depois de tudo, criticou Cavaco Silva por não ter pedido a fiscalização preventiva e/ou sucessiva do OE ao longo dos últimos anos[8].

        Não quero induzir ninguém em erro. Esta análise ao Orçamento e a minha visão não deriva do facto de eu ser de “esquerda” ou de estar afiliada a qualquer outro partido político, mas sim da minha perspectiva perante todos os acontecimentos à escala global e nacional sobre esta temática. O sistema vigente tem de mudar e começa em nós, na base, tornar patente a sua necessidade de mudança.

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Inês Salen (212814)



[1] TVI24: OE2014: REN será totalmente privatizada, in http://www.tvi24.iol.pt/economia---economia/oe-2014-privatizacoes-ren-transportes-orcamento-governo/1499609-6377.html (consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 10h10min)
[2] Jornal I:OE2014. Governo espera encaixar mais 50 milhões com subida do imposto cobrado á banca, in http://www.ionline.pt/artigos/orcamento-estado-2014/oe-2014-governo-espera-encaixar-mais-50-milhoes-subida-imposto-cobrado (consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 10h23min)
[3] Dinheiro Vivo: OE para 2014 tem mais 600 milhões do que prometido à Troika, in http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO284414.html (consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 10h36min)
[4] Jornal I: Idem ibidem (consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 10h52min)
[5] Público: Conselho Económico e Social discute parecer sobre OE onde critica cortes na função pública, in http://www.publico.pt/economia/noticia/conselho-economico-e-social-discute-parecer-sobre-oe-onde-critica-cortes-na-funcao-publica-1609811 (consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 11h00min)
[6] Jornal I: OE 2014. Teixeira dos Santos diz que propostas do governo vão “longe demais”, in http://www.ionline.pt/artigos/dinheiro-orcamento-estado-2014/oe-2014-teixeira-dos-santos-diz-propostas-governo-vao-longe (consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 11h09min)
[7] TVI24: CDS-PP: Orçamento não poupa banca, EDP e PT, in http://www.tvi24.iol.pt/503/politica/cds-oe2014-nuno-magalhaes-debate-parlamento-tvi24/1502416-4072.html (consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 11h14min)
[8] Diário de Notícias: Cavaco devia ter pedido fiscalização do OE, in http://www.dn.pt/politica/interior.aspx?content_id=3500611 (consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 11h20min)

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