Que o Orçamento de Estado para 2014 é duro e contém
medidas difíceis, já toda a gente sabe. O que interessa realmente saber é se
todo o esforço dos cidadãos portugueses vai valer a pena a longo prazo.
Vendo bem o panorama geral a nível económico, social
e político, é notório o receio da população perante mais um corte nos seus
rendimentos. As famílias pouparam, desde 2011, dinheiro que agora vão ter de
gastar, se desejam sobreviver às medidas denominadas de “austeridade”. Na minha
opinião, a palavra está bem longe da verdade, sendo eu uma cidadã portuguesa
residente em Lisboa, que é obrigada a estar face a face com um decair social
inigualável. O sistema económico em vigor apenas beneficia os mais ricos,
enquanto explora mais e mais a população de que pouco tem culpa. O facto de
existir um grande descontentamento perante a política e um desinteresse comum
derivam, maioritariamente, das condições a que as pessoas estão sujeitas no seu
dia-a-dia, formando um ciclo de desprezo perante os outros sem fim.
Mas dissequemos o OE. A REN, ou Rede Energética
Nacional, irá ser privatizada (Passos Coelho faz também tenções de prosseguir
com a privatização da TAP) e os transportes das cidades do Porto e de Lisboa
vão ser concessionados [1]. O
imposto sobre o sector bancário vai aumentar, pelos vistos: “Em nenhum dos
documentos é especificada qual é exactamente a mexida no imposto extraordinário
sobre o sistema bancário, sendo que, até 2013, esta contribuição assentava na
aplicação de uma taxa entre 0,01% e 0,05% sobre o passivo dos bancos (…) ”[2],
rendendo ao Estado parte dos 600 milhões a mais que Passos Coelho prometeu à Troika em Maio deste ano através da
implementação de medidas de consolidação orçamental[3].
As medidas de carácter económico e de consolidação previstas
no OE visam apenas a possibilidade de habilitação, por parte de Portugal, a
outro resgate, programa cautelar ou empréstimo que faça com que o país volte a
entrar nos mercados. Isto significa que, implícito, já que as “Troikas”
mundiais simplesmente não dão dinheiro em troca de ar, estão taxas de juro e
promessas de segurança altíssimas, de forma a criar uma plataforma de
estabilidade e um baixo nível de risco para o investimento das empresas em solo
português. Sim, é necessário investimento, mas um bom equilíbrio da balança
comercial é também essencial para atingir um crescimento económico sustentável.
O crescimento previsto para 2014, 0,8% e a descida da taxa de desemprego para
17,7%[4]
soam a promessas infundadas, daquelas que se vêem em programas eleitorais,
quando se tem em conta todos os factores que lhe estão inerentes.
A única coisa com que a banca pode contar e,
consequentemente, todo o sector financeiro, é com as remessas e depósitos dos
cidadãos. Se virmos bem, todo o sistema macroeconómico é baseado na promoção da
nossa utilização de bancos, desde os anúncios a créditos de diferentes
companhias ao recebimento do salário pela dádiva do NIB próprio. As empresas e
o próprio Estado aproveitam-se desde facto, tratando os depósitos e poupanças
de uma vida inteira num jogo de especulação, que visa uma maximização do lucro
e, se esse correr mal, há sempre solução: corte dos salários e pensões para
compensar o investimento perdido, que, por sua vez, leva a um corte no consumo,
no rendimento disponível e no investimento na economia nacional, levando à necessidade de mais fundos e recursos por parte das entidades reguladores do
sistema, de maneira a não aumentar o défice estruturante e a dívida pública.
O Conselho Económico e Social (CES), presidido por
Silva Peneda, chamou a atenção para os problemas inerentes ao corte dos
salários até 600 euros da função pública, pondo a ênfase no impacto social das
medidas e na falta de credibilidade do Governo quando afirma a existência de
crescimento económico: «em vez de se registar um crescimento de 0,8%, como
prevê o Governo, 2014 pode vir a ser “um ano de estagnação económica,
porventura mesmo de recessão”.»[5].
Teixeira dos Santos, antigo Ministro das Finanças,
também focou vários pontos de particular relevância, como a importância do
Tribunal Constitucional como assegurador do cumprimento da Constituição e a
existência de alternativas quanto ao pedido de resgate de 2011, referindo que o
OE, “apesar de proceder à redução do peso da despesa, vai longe demais”[6].
É claro que tem de se poupar na despesa e que essa
tem de partir, em parte, do Estado Social, já que esse cobre uma grande fatia
do Orçamento no geral. Tem é de se cortar na despesa com pés e cabeça e de
forma justa e equitativa, coisa que não se verifica actualmente. Nuno
Magalhães, líder parlamentar do CDS-PP, só pode estar negação quando afirma,
perante a (subida) do imposto aplicado ao sector bancário, que “Isso combate a ideia mil vezes repetida, mas ainda
assim falsa de que este OE não é equitativo na redistribuição dos sacrifícios
(…) Onde é que está a espiral recessiva imparável quando podemos ter dois
trimestres consecutivos a crescer economicamente? [7]”.
É nestas alturas que nós, como
cidadãos, temos de dar a mão à palmatória por termos um órgão que outros
sistemas de governo não têm: o Tribunal Constitucional. É ele que assegura a
efectivação da Constituição e a garantia dos nossos direitos e liberdades. É exactamente
por isso que nos devemos preparar para a sua eventual reformulação de funções,
devido a todos os entraves que põe aquando da implementação de medidas de “austeridade”
externas ao país. Até José Sócrates, depois de tudo, criticou Cavaco Silva por
não ter pedido a fiscalização preventiva e/ou sucessiva do OE ao longo dos
últimos anos[8].
Link Útil:
Inês Salen (212814)
[1] TVI24: OE2014: REN será totalmente privatizada, in http://www.tvi24.iol.pt/economia---economia/oe-2014-privatizacoes-ren-transportes-orcamento-governo/1499609-6377.html
(consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 10h10min)
[2] Jornal I:OE2014. Governo espera encaixar mais 50 milhões com subida do imposto cobrado
á banca, in http://www.ionline.pt/artigos/orcamento-estado-2014/oe-2014-governo-espera-encaixar-mais-50-milhoes-subida-imposto-cobrado
(consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 10h23min)
[3] Dinheiro Vivo: OE para 2014 tem mais 600 milhões do que
prometido à Troika, in http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO284414.html
(consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 10h36min)
[4] Jornal I: Idem ibidem (consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 10h52min)
[5] Público: Conselho Económico e Social discute parecer sobre OE onde critica
cortes na função pública, in http://www.publico.pt/economia/noticia/conselho-economico-e-social-discute-parecer-sobre-oe-onde-critica-cortes-na-funcao-publica-1609811
(consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 11h00min)
[6] Jornal I: OE 2014. Teixeira dos Santos diz que propostas do governo vão “longe
demais”, in http://www.ionline.pt/artigos/dinheiro-orcamento-estado-2014/oe-2014-teixeira-dos-santos-diz-propostas-governo-vao-longe
(consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 11h09min)
[7] TVI24: CDS-PP: Orçamento não poupa banca, EDP e PT, in http://www.tvi24.iol.pt/503/politica/cds-oe2014-nuno-magalhaes-debate-parlamento-tvi24/1502416-4072.html
(consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 11h14min)
[8] Diário de Notícias: Cavaco devia ter pedido fiscalização do OE,
in http://www.dn.pt/politica/interior.aspx?content_id=3500611
(consultado no dia 27 de Outubro de 2013 ás 11h20min)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.