domingo, 6 de outubro de 2013

A vitória de António Costa

Noite eleitoral: António Costa vence em Lisboa por uma maioria esmagadora. Não apenas enquanto candidato à Câmara Municipal pela terceira vez consecutiva como também enquanto socialista e membro de um partido que ganhou a maioria das 24 Juntas de Freguesia da capital naquilo a que apelidou “os melhores resultados eleitorais alguma vez alcançados por um partido político na cidade de Lisboa”.1

No dia 4 deste mês, confrontado com a questão se estaria ou não preparado para uma derrota, respondeu: “Não tinha dúvidas de que ganhava, apenas não saberia qual a dimensão da vitória”2. Assim parece estar esclarecida a acalmia e a falta de nervosismo patente na sede de candidatura na noite de resultados.

     Ao longo do seu discurso que, mais do que de vitória, foi de reafirmação do compromisso com a cidade e de felicitação a todos os eleitores e apoiantes, defendeu as seguintes ideias.
·
  •     As eleições como momento de afirmação democrática: em primeiro lugar contra a falta de cobertura mediática e uma aparente desvalorização das campanhas por parte dos media;
  •    Os eleitores e a comunidade política como motor de uma democracia que atravessa momentos difíceis e sinuosos, que não se deixaram vencer pelo desânimo contribuindo para “revitalizar a vida democrática e regenerar a vida política em Portugal”3, e que, principalmente, não “capitulam” perante um Governo, continuando a participar e não deixando que outros decidam nem por si nem pela sua cidade;
  •     Os partidos enquanto “alunos” que precisam de aprender que a abertura aos cidadãos e aos seus movimentos e opiniões são por demais importantes na vida democrática e que devem ser valorizados. Quanto a isto, afirma ainda que os partidos têm de reflectir acerca da sua organização interna e de como poderão ser mais inclusivos em relação à comunidade (“Os partidos têm de reflectir sobre os seus processos de funcionamento, de selecção e de abertura”4);
  • ·    A política até agora levada a cabo como benéfica para a capital e como justificação e legitimação da vitória esmagadora do PS (“A vitória não foi construída na campanha eleitoral, foi construída nos quatro anos de trabalho”5), mas também como uma força oponente e alternativa à política levada a cabo pela coligação de direita;

      A vitória lisboeta não foi apenas uma vitória do PS, mas sim uma vitória dos cidadãos, como foi apregoado pelos líderes e representantes (António Costa e Helena Roseta) ao longo de uma noite caracterizada pelas emoções contidas dos apoiantes e pelos discursos breves dos vencedores.

      É de notar que esta vitória dos cidadãos se dá também graças ao facto de o PS se ter coligado com o Movimento de Cidadãos por Lisboa (CPL) liderado por Roseta. A mesma afirmou que “foi um resultado do PS mais, não foi só do PS. Há um mérito do António Costa, indubitavelmente, mas é mais do que isso. O PS abriu-se aos cidadãos e aos independentes”6. A questão da realização de acordos coligatórios entre os partidos tradicionais e estes movimentos não é uma novidade visto que já nas eleições autárquicas de 2009 se tinham coligado, tendo vencido uma maioria na Câmara.

      Os movimentos de cidadãos e a sua inclusão em coligações com partidos era já há muito defendido por António Costa, defensor convicto de uma abertura da política à comunidade. À semelhança daquilo que defende ser um modelo correcto e mais adaptado aos tempos actuais para o Partido Socialista, Costa advoga que é ao nível local que também se deve começar a incluir os cidadãos e os segmentos da população que não se identificam com os partidos que tradicionalmente disputam o poder autárquico.

     A fuga de algum do eleitorado ao sistema mais tradicional e à escolha dos partidos “de sempre” obrigam os mesmos a repensar as suas políticas e as suas formas de agregar o voto, pelo que a estratégia de inclusão do autarca redundou numa aposta vitoriosa. No entanto, não é apenas o Partido Socialista a beneficiar desta simbiose, visto que o próprio movimento de cidadãos tem, desta forma, uma boa oportunidade para ocupar cargos autárquicos, o que dificilmente aconteceria se não integrasse a coligação.

     Esta estratégia eleitoral bem definida e articulada beneficia o movimento de cidadãos, que tem vindo a perder a sua força no contexto lisboeta, e, simultaneamente, eleva a candidatura de António Costa a um novo patamar de legitimidade ao dar um certo cunho de independência ao Partido Socialista lembrando aos cidadãos mais desiludidos que ainda é uma força que se preocupa em fazer políticas para as pessoas e feitas pelas pessoas, destacando-se do resto das forças partidárias que aparentam ser herméticas e avessas à participação do comum civil.

     Ainda assim é necessário não esquecer que os vários movimentos de cidadãos, inclusive o liderado por Helena Roseta, não são meros movimentos de cidadãos. A sua especificidade reside no facto de terem atingido um novo patamar de institucionalidade e também de formalidade, tanto no seu reconhecimento e legitimidade legal como também na sua já complexa estrutura e organização. Assim, os grupos de cidadãos passam a ter uma capacidade e competência para agir conforme as necessidades e exigências da comunidade política, conseguindo, através da sua génese mais popular e do seu desprendimento face a interesses específicos (como se verifica muitas vezes nos partidos), representar de modo mais fiel o eleitorado e contribuindo para uma democracia mais aberta e participativa.

     Quanto ao binómio participação-representatividade, Helena Roseta afirma ainda: "não há conflito entre democracia participativa e democracia representativa, há possibilidade de convergência e reforço uma da outra" e, concluiu, "é isso que nós representamos nesta candidatura”.7

     Para perceber melhor o fenómeno deste acordo em especial é necessário entender os termos da sua constituição. Analisando o acordo coligatório percebe-se que a natureza do mesmo assenta na integração do movimento no partido para uma obtenção de melhores resultados eleitorais, como é apresentado no ponto 6 : “entendemos que nos cabe construir de novo uma solução eleitoral que possa obter o acordo maioritário dos eleitores de Lisboa.8

     No entanto, e de acordo com a lei orgânica nº1/2001, de 14 de agosto 9, esta coligação deixa de existir depois de tornados públicos os resultados das eleições e que a coligação será dissolvida após apresentação dos resultados das urnas. Tal significa, como apresentado no documento, que ambas as partes “continuarão a organizar-se de forma autónoma findas as eleições, sendo os independentes eleitos do movimento CPL reconhecidos, pelos eleitos do PS e para todos os efeitos, como uma força política própria”10.

     Mas porá esta coligação em causa a confiança entre eleitores e eleitos? Parece existir uma fusão quase que perfeita entre o movimento e o partido quer em termos ideológicos quer em termos de logística, pelo que já pouco se afastam ou diferem entre si.

     Não se pode esquecer nem desvalorizar que Helena Roseta formalizou a sua adesão ao PS em 1991, o que explicaria esta sua preferência por António Costa. No entanto é também interessante a incoerência do seu percurso em relação ao PS: num momento de ruptura com o partido e com a liderança de José Sócrates, candidatou-se à presidência da Câmara Municipal em 2007, criticando a forma tacticista como se fazia política na capital e acusando os socialistas de terem criado um clima de desconfiança e uma crise política e nesse mesmo ano foi eleita como vereadora contra o PS de Sócrates (o de António Costa). Passado uma legislatura tudo parece ter mudado e Roseta gritou agora nas arruadas ao lado de apoiantes do actual vencedor: “De quem Lisboa gosta, António Costa”.11

     É interessante a forma como Costa consegue fazer gravitar em seu torno os dissidentes. Para além do caso de Helena Roseta e do seu movimento também se deu uma coligação entre o PS e o movimento de Sá Fernandes, representante da associação cívica “Lisboa é muita gente”, mas antes eleito como independente numa candidatura do BE por Lisboa. Mais uma vez, é a lista do PS que acaba por sair reforçada das quezílias, por grande mérito de Costa que, com visão e inteligência política consegue assim congregar cada vez mais apoiantes.

     E assim, depois de contabilizados os resultados, o PS vence com 50,91% (e 11 dos 17 vereadores) dos votos. Estes movimentos conseguem então ter mais representatividade e poder efectivo que os partidos tradicionais, neste caso que o Bloco de Esquerda, que não conseguiu eleger nenhum vereador.

     As melhores condições de governabilidade foram então asseguradas na Câmara Municipal ao invés daquilo que sucedeu na Assembleia, em que o PS não conseguiu a maioria por apenas um membro (precisaria de conquistar 26 lugares). A autonomia não será então total, visto que muitos assuntos discutidos em sede de Assembleia Municipal precisam da aprovação por maioria absoluta, o que significa que o PS acabará por ter de realizar acordos com outros partidos.12

Fontes:
1 Boaventura, Inês, Costa reclama “melhores resultados alguma vez alcançados por um partido” nas autárquicas em Lisboa, in Público, www.publico.pt, consultado a 01 Outubro 2013, 20:46 (http://www.publico.pt/politica/noticia/costa-reclama-melhores-resultados-alguma-vez-alcancados-por-um-partido-nas-autarquicas-em-lisboa-1607523)

2 In programa televisivo “5 Para a Meia-Noite”, RTP1, 04 Outubro de 2013

6 Boaventura, Inês, Helena Roseta diz que quem ganhou em Lisboa foi o “PS Mais”, in Público, www.publico.pt, consultado a 30 Setembro 2013, 10: 37 (http://www.publico.pt/politica/noticia/helena-roseta-diz-que-quem-ganhou-em-lisboa-foi-o-ps-mais-1607512)

7 Simões, Bruno, Helena Roseta: “António Costa é o grande vencedor da noite”, in Jornal de Negócios, www.jonaldenegocios.pt, consultado a 03 Outubro 2013, 23:10 (http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/helena_roseta_antonio_costa_e_o_grande_vencedor_da_noite.html)

8 Roseta, Helena e Costa, António, LISBOA ANTI-CRISE – ACORDO COLIGATÓRIO ENTRE O PARTIDO SOCIALISTA E O MOVIMENTO DE ELEITORES CIDADÃOS POR LISBOA PARA AS ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS DE 2013 EM LISBOA, in www.cidadaosporlisboa.org, consultado a 04 Outubro 2013, 22: 58 (http://www.cidadaosporlisboa.org/index.htm?no=75100002728,063)

9 LEI ELEITORAL DOS ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS - Lei Orgânica nº1/2001, de 14 de agosto, Título III, Capítulo II, Secção I, Artigo 17, in site Comissão Nacional de Eleições, www.cne.pt, consultado a 05 Outubro 2013, 17:28 (http://www.cne.pt/sites/default/files/dl/legis_leoal_2012.pdf)

10 Roseta, Helena e Costa, António, LISBOA ANTI-CRISE – ACORDO COLIGATÓRIO ENTRE O PARTIDO SOCIALISTA E O MOVIMENTO DE ELEITORES CIDADÃOS POR LISBOA PARA AS ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS DE 2013 EM LISBOA, ponto 7.4, in www.cidadaosporlisboa.org, consultado a 04 Outubro 2013, 22: 58 (http://www.cidadaosporlisboa.org/index.htm?no=75100002728,063)

11 Lusa, Helena Roseta quer contribuir para solução política para Lisboa, in Público, www.publico.pt, consultado a 04 Outubro 2013, 19:31 (http://www.publico.pt/politica/noticia/helena-roseta-quer-contribuir-para-solucao-politica-para-lisboa-1293464)

12 PS com maioria na Câmara de Lisboa mas falha por um maioria na Assembleia Municipal, in Jornal de Negócios, www.jornaldenegocios.pt, consultado a 01 Outubro 2013, 22:47 (http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/ps_com_maioria_na_camara_de_lisboa_mas_falha_por_um_maioria_na_assembleia_municipal.html)



                                                                                                               Joana Lemos
                                                                                     nº 212278

                                                                                                                               

2 comentários:

  1. O PS tem igualmente maioria absoluta na Assembleia Municipal! Aos deputados eleitos é necessário somar os presidentes de junta que também têm assento neste órgão. Não há necessidade de qualquer acordo com outros partidos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Peço desculpa, foi lapso de interpretação, e muito obrigada pela correcção.

      É correcto que ganhou a Assembleia Municipal e acrescento: conquistou a maioria com cerca de 42% dos votos, segundo o CNE.

      Reformulando, e assim sendo, a maioria socialista na Assembleia facilitará a governação visto que é neste órgão de cariz deliberativo que se votam e aprovam as políticas de desenvolvimento económico e social para a cidade assim como a proposta de orçamento.

      Joana Lemos

      Eliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.