segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Aula Aberta - Mestre José Sócrates


No passo dia 14 de Novembro, contámos com a presença do ex-primeiro-ministro, o Mestre José Sócrates, que nos veio falar sobre a sua tese de mestrado, a qual foi publicada e livro: “A Confiança no Mundo – Sobre a Tortura em Democracia”. A tortura, ao contrário daquilo que pensava, que era um tema que interessava apenas aos historiadores, é um dos temas mais discutidos na filosofia moral Estados Unidos da América. A tortura ocupava um lugar muito importante na filosofia moral e política depois da 2ª Guerra Mundial. Impedir o uso da tortura, pelo direito internacional. Como é possível que ela tenha regressado quer na filosofia moral quer na filosofia política? Para responder a esta questão, é necessário e fundamental conhecer a História da tortura. Foi um tema que sempre o inspirou por ser tao humano, tão político, tão moral.

 A sua tese retrata então a questão moral, que considera mais importante. Neste sentido, procurou responder às seguintes questões: é possível que, em algumas circunstâncias, a tortura seja a melhor acção e constitua portanto um direito e um dever? Ou poderá em certas circunstâncias ser um bem? Será positivo a nível da moral? Num segundo momento aborda um marco fundamental na História da tortura, o 11 de Setembro de 2001. Neste sentido, questionou-se se seria possível uma democracia reconhecer-se como tal se usar a tortura? Só o conhecimento empírico pode responder às perguntas que são feitas ao longo da tese. A história para compreender o que aconteceu. A moral para responder se é aceitável ou não. No ramo da política saber se uma democracia pode praticar tortura ainda assim ser considerada como tal.

Relativamente à questão moral, a questão que se coloca é a seguinte: qual é a boa acção para orientar a minha conduta? Existem três teorias que tentam dar resposta: o Deontologismo, a Ética da Virtude e o Consequencialismo. Relativamente ao Deontologismo e ao Consequencialismo, a humanidade tem algumas condições de moral inatas. Coloca-se a pessoa num dilema moral e verificar se a humanidade tem alguma inclinação moral inata. A pequena historia mais conhecida: “História do comboio que mata”.

“Um comboio vai na sua linha, quando 1km à frente estão 5 trabalhadores desprevenidos na mesma. No entanto, há a hipótese de evitar a tragédia acionando uma alavanca que fará o comboio mudar para outra linha, onde ele atingirá apenas uma pessoa. Qual das linhas se deve optar?”


1- Consequêncialistas
: pensam nas consequências de uma ação e optam pelo que provoque menos sofrimento à humanidade. Utilitarismo (a mais conhecida do consequencialíssimo).


2- Deontologistas:
baseiam-se na doutrina Kantiana - “ Fundamentação da Metafisica dos Costumes”. O que define a boa acção? A razão que justifique as boas acções, a boa ação é desinteressada – imperativo categórico, que da tua acção possa surgir uma lei universal. Nunca usar uma pessoa para um fim, porque uma pessoa é um fim em si mesmo. (na história do comboio estes matariam os 5)

Estes princípios estão também presentes na questão da tortura. Usa-se o consequencialismo na maioria dos casos da tortura. A seguir ao 11 de Setembro, a maioria dos filósofos morais americanos visitaram este tema e perceberam que a tortura, em nome do estado, é um mal menor se estiver em causa um bem maior. Ou seja, não tem só o direito mas tem também o dever. O deontologista afirma que nunca se deve aplicar a tortura. No entanto, não há consequencialistas e deontologistas puros, pois por vezes temos de escolher entre um mal e um mal maior. José Sócrates considera-se um deontologista por causa da tortura que envolve a vida humana, ainda assim, tentou fazer uma abordagem consequencialista, para ver se a tortura pode proporcionar ou não um bem maior. No entanto, não há deontologistas nem consequencialistas puros. Mas existe um ponto em que se deve realizar um acordo com todos os dilósofos. Entre o consequencialíssimo e o utilitarismo, esse calculo tem um limite, a vida humana. Não é legítimo pedirmos a uma pessoa, em nome de um bem maior, que torture alguém. Aqueles que querem fazer um cálculo, estão a fazer um cálculo errado porque não incorporam as consequências que tem.

Relativamente à eficácia da tortura, esta sempre foi ineficaz e nunca foi eficiente. Sempre houve problemas com a verdade porque sempre existiu o paradoxo do inquisidor, ou seja, aquelas que são torturados não dizem a verdade, pois quanto mais dor, menos verdade, pela simples razão que quem está a ser torturado vai dizer o que quer que seja para se livrar. A tortura sempre foi um método de conhecer a verdade, método esse a que José Sócrates diz ser pobre e vetado ao fracasso. Ele questiona: onde colocamos a linha vermelha? Um ou mais? Mas não há certeza de que o torturado conheça ou possua a verdade. Não se trata única e exclusivamente de moral individual mas também de moral colectiva. Não se considera todo o mal que a tortura causa. A imagem pública que tem para um Estado, por outro lado, todos esses que admitem a tortura esquecem-se que os estados que a usavam tiveram uma corrupção institucional forte. José Sócrates diz ainda que aqueles que admitem torturar em casos excepcionais, não conseguem equacionar todo o mal e é necessário definir com precisão todas as coisas e ter em conta as lições da história. Ainda assim, alguns filósofos acreditam que a tortura para a legítima defesa, é aceitável.

No que diz respeito à história, a Argélia nos anos 50, apresenta um momento decisivo na história da humanidade, pois pela primeira vez um Estado decide torturar não para saber o passado, mas para saber o futuro. Até ao século XVIII em Portugal a tortura era uma forma judicial, com o objectivo de obter uma confissão através da tortura. A evolução do direito acabou com ela. Neste caso, a tortura servia para saber o passado, isto é, se cometeu um crime ou para saber os cúmplices.
Foi na Argélia que a tortura foi utilizada, teorizada e conceptualizada como um meio de guerra. O exército francês tinha perdido colonias (Indochina), fora humilhado, assim, para os franceses a Argélia era considerado a última fronteira e portanto, o principal objetivo do exército era identificar o inimigo, interroga-lo e torturá-lo. A informação tinha de ser obtido com a tortura, era o que acreditavam. Isto levou a uma golpe militar e a corrupção foi de tal ordem que teve efeitos decisivos. É aqui que nasce a escola francesa da tortura, e está presente agora como a guerra contra o terror. Assim podemos ver que a Argélia foi um novo capitulo na tortura, virando-se para o futuro, como nos dias de hoje.

A história da tortura nos últimos 60 anos foi uma democracia de tortura. Mais aplicada em democracia do que em ditaduras. Quem quer falar de tortura não pode deixar de falar do seu significado. Temos de ouvir os torturados, para compreender a tortura. Quando recebemos o primeiro golpe perdemos a esperança no mundo. A esperança de termos alguém nos momentos de aflição, é algo da génese humana. Tomamos consciência de que estamos só. Um bebé quando chora espera ser alimentado, um doente espera ser ajudado pelo médico, o torturado está só. A tortura faz-nos viver a nossa própria morte e um torturado será sempre um torturado.

A democracia, tal como a entendemos agora, não pode ser aplicada juntamente com a tortura. E todos aqueles que torturam, arrependeram-se.

Existem dois momentos fundamentais na história da tortura. Num primeiro momento, a tortura era escondida e negava-se esta prática por vergonha. A máxima era: num momento de exceção, torturo porque num momento de necessidade não há lei. O segundo momento, dá-se a partir do 11 de Setembro de 2001, em que um país fez isso às claras criando a máxima de que a necessidade faz a lei. A partir daqui, os EUA criam leis sobre a tortura. No entanto, estes países que a aprovam, desconhecem a sua ineficiência. Se alguém quer fazer uma avaliação de custo/benefício chegará a uma conclusão, apenas uma, o cálculo está mal feito.

Nos momentos de pânico e de exceção, há uma linha vermelha que deve ser traçada previamente, porque em momento de pânico e sem essa linha pode provocar consequências muito graves aos países. Neste seguimento, José Sócrates refere John Rawls e diz que o melhor é combinarmos a justiça como se cada um tivesse um véu de ignorância sobre o que poderá acontecer. Nenhum de nós sabe que vai ser torturado, mas podemos vir a ser nós. Quando vem o pânico cada um faz por si próprio. Portanto, é fundamental colocar a linha vermelha num momento calmo, para que a excepção não faça a regra.  

O Mestre José Sócrates deixou-nos ainda algumas sugestões de leitura, nomeadamente: Fundamentação da Metafísica dos Costumes – Immanuel Kant, L’ennemi intime – Patrick Rotman e ainda Psicologia de Massas - Gustave Le Bom.  
Sara Francisco

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.