quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O horror ao vazio

A conferência de oposição ao Governo promovida por Soares e com o objectivo de aglutinar todos os quadrantes sociais de forma a demonstrar uma larga base de descontentamento em relação às políticas governamentais levadas a cabo nos últimos dois anos teve grande sucesso mas originou mais um caricato e peculiar acontecimento envolvendo António Costa e José António Seguro.
A Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa contou com figuras de peso do PS como Jorge Sampaio, José Sócrates e o próprio António Costa que, segundo Soares, marcaram presença por serem dois socialistas “patrióticos”.
António José Seguro não terá marcado presença neste encontro por motivos profissionais mas o PS em peso, em termos de figuras aclamadas, esteve presente, não se sentindo quase a falta de Seguro, que perdeu assim mais uma oportunidade para se tentar fazer ouvir, ainda que não fosse orador, no sentido de projectar uma imagem de um líder que apoia uma convergência entre esquerdas e de um líder forte na oposição. Ainda assim, fez-se representar pelo seu líder de bancada, Alberto Martins.
Por isto mesmo, António Costa veio a público criticar a liderança actual do seu partido por não ter tido a coragem de tomar uma iniciativa tão importante como aquela que aconteceu na passada semana e que seria um óptimo momento para captar mais simpatizantes para o lado do Partido Socialista e para captar o descontentamento maximizando possíveis votos de protesto, de punição e de votos úteis nas próximas eleições tanto legislativas, como europeias e presidenciais.
 Depois de meses mais calmos após a redacção do “Documento de Coimbra que convenceu e deu garantias a António Costa de que não seria preciso candidatar-se à liderança do PS visto Seguro ser um novo garante de unidade, como é escrito nas últimas páginas do documento “A unidade no PS é uma condição referencial para o que mais importa fazer: unir os portugueses numa larga plataforma de entendimento em torno de soluções partilhadas para os problemas nacionais” 1, Costa voltou a dar a entender que não está satisfeito com a liderança actual.
Desta feita, e vendo que a liderança do PS parece estar a fracassar neste momento crasso por falta de acção e inércia constante, apatia no discurso e na atitude, Costa critica-a e diz estar perplexo por ter de ser Mário Soares a tomar a iniciativa pelo PS ao invés do seu líder. A sua ausência e falta de respostas, e um comportamento de reacção e nunca de acção, desgastam o PS e põem em causa a sua credibilidade.
No programa semanal em que é comentador residente (Quadratura do Círculo), Costa afirmou que “em condições normais, Mário Soares não teria de se tirar dos seus cuidados para estar na liderança e na mobilização de uma iniciativa deste tipo. O facto de ter de o fazer representa um grande vazio de iniciativa política, onde porventura devia existir, designadamente por parte do PS”.
A sua perplexidade derivou ainda do facto de, num painel e numa lista de oradores mais extensa apenas uma pessoa ser militante do PS, o que contribui para a sua feroz crítica aos socialistas da era segurista.
Quanto a tais declarações, a direcção do PS não quis fazer quaisquer comentários, como tivera já acontecido em situações anteriores. A estratégia da direcção parece ser a de não responder a “provocações” de forma a que as declarações passem como que despercebidas e que não se criem discussões, transformando-as em “não assuntos”.
Relembrando a unidade socialista criada pelo documento de Coimbra, não se pode esquecer que as cisões dentro do partido continuam presentes e que a unidade necessária não apaga rivalidades profundas e formas de pensar diferentes. Por isso, continua a existir um grupo de deputados e militantes mais jovens, conhecidos como os “jovens turcos” do PS, que continuam a querer ganhar o seu espaço e que estão intimamente ligados a António Costa, não se conformando com as políticas levadas a cabo pela direcção actual.
O termo “jovens turcos” não surgiu com esta geração de militantes mas sim com a geração de António Guterres no anos ‘80, que, clandestinamente, conspirou e formou o seu próprio grupo, contrariando o PS de Mário Soares, apesar de nunca se terem apresentado como alternativa à liderança como estes jovens actuais se apresentam e já se movimentam nesse sentido.
Sabe-se que as movimentações se dão há já algum tempo no sentido de contrariar a direcção actual e, nesta revolta interna que parece ainda estar em fase embrionária surgem alguns nomes, como o de Sérgio Sousa Pinto, Ana Catarina Mendes ou Duarte Cordeiro, este último mais activo recentemente e grande apoiante de António Costa, inclusive com funções de coordenador de campanha e de vereador na Câmara de Lisboa. Cordeiro, quando questionado se seria uma força de oposição à direcção actual respondeu deixando algumas pistas para a sua acção futura:
"Não farei deste [da concelhia] um espaço de oposição", até porque "tem de haver consonância entre as várias estruturas do partido".
Tal significa que é claramente uma força de oposição e não adjuvante, tendo até anteriormente ido contra o sentido de voto da ala segurista e apoiando por vezes o Bloco de Esquerda, o que lhe vale também este título de “jovem turco”. Existem outros espaços de oposição à liderança e eles não serão esquecidos por nenhum dos membros deste grupo.
Este é um grupo que, actualmente se sente um pouco órfão devido à unidade alcançada com o documento de Coimbra mas que é acarinhado por Mário Soares, e que tem como denominador comum a juventude, isto porque alguns dos seus membros já foram líderes da Juventude Socialista, como Pedro Nuno Santos, Pedro Delgado Alves, Duarte Cordeiro e Sérgio Sousa Pinto.
Este grupo de jovens constitui assim mais uma base de apoio a António Costa, tendo trabalhado anteriormente até para Sócrates e Francisco Assis e inserem-se na ala mais esquerdista do PS, defendo causas que muitas vezes carecem de aprovação da direcção, defendendo “causas fracturantes”, como o diria Sérgio Sousa Pinto, e por diversas vezes aproximando-se de partidos como o PCP ou o BE.
Ainda assim, e mesmo sem Costa, é certo que estes jovens continuarão a fazer o seu percurso e a sua subida na hierarquia socialista, ainda que nesta legislatura estejam naturalmente mais “apagados” devido à natureza e essência da direcção actual.E continuarão a apostar na sua ascensão porque existe um horror ao vazio, e o vazio no poder terá de ser necessariamente preenchido por alguém, ainda que não seja António Costa, tendo eles de tomar a iniciativa.
No entanto, esta teoria do horror ao vazio aplica-se claramente a uma interpretação das palavras de Costa quanto à inércia da direcção socialista.
 
De forma concisa, um vazio de poder ocorre quando existe uma situação política em que quem lidera não possui uma autoridade forte, firme, central e facilmente identificável ou credível. É isto que parece acontecer com a liderança de Seguro, que não merece críticas gratuitas de António Costa. Quer isto dizer que Costa, ainda que não extravasando os limites do acordo de união e de criação de uma unidade socialista necessária, continua a fazer a sua crítica por considerar que esta tem de ser feita e por considerar que é precisa para que o partido acorde do sono em que mergulhou nos últimos meses.
 
O vazio socialista dá-se, primeiro, devido a uma crise de eficácia da organização e da direcção; segundo, pela falta de controlo das suas decisões; e, terceiro, por uma aparente falta de compreensão dos problemas que se propõem ao partido, tornando-o, como referido anteriormente, apático.
É curioso pensar nas razões pelas quais o PS parece estar envolvido num amorfismo e muito menos ter a noção da posição privilegiada em que se encontra actualmente ao ser o principal partido da oposição de um Governo em decadência, contestado diariamente, e fácil de combater sem ser preciso recorrer ao populismo nem à demagogia.
Esta aparente crise de orientação e de eficácia leva, indubitavelmente, a tentativas de substituição e funções dos agentes políticos que dominam actualmente o partido. Assim, está como que aberto um “convite informal” aos grupos que discordam da liderança para tomarem de assalto um poder.
Se a direcção não acatar tais críticas construtivas, e não apenas as de Costa, ainda que seja ele uma das vozes mais ouvidas dentro do PS e mesmo fora dele, como em sondagens mais recentes se provou, é provável que comece a sentir-se ameaçada por forças opositoras que, aproveitando este vazio de poder, se transformem em forças realmente poderosas e acabem por confluir para o espaço vago.
                                                                   
                                                                                                   Joana Lemos
 
1 "Portugal Primeiro" - Bases comuns de orientação estratégica (http://www.tsf.pt/storage/ng2375161.pdf)
Outros links:

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.