quarta-feira, 16 de outubro de 2013

"Uma Câmara no Rato"

         


       A incontestável vitória de António Costa na capital parece ainda não ser suficiente para afastar os fantasmas de um assalto ao poder na liderança pouco segura de Seguro.

      Mais do que dar uma vitória ao PS em Lisboa, António Costa anima as suas hostes partidárias dando a entender que o seu poder foi revitalizado e que se recomenda. Não só tem o apoio do eleitorado socialista na capital, que o toma como candidato mais que legítimo e capaz de melhorar e desenvolver a cidade num contexto económico difícil, como tem o apoio de outros grupos de cidadãos não comprometidos partidariamente e que lhe reconhecem essas mesmas capacidades. António Costa não se torna apenas uma alternativa credível para Lisboa, torna-se uma alternativa credível para o país.

       A presidência pela terceira vez em Lisboa e a boa aura que o líder tem vindo a construir poderão servir como catapulta para uma possível liderança socialista, visto que alguém que consegue cumprir três mandatos num dos maiores e mais complexos concelhos do país adquire a experiência necessária para levar a cabo um árduo trabalho de oposição contra a coligação PSD-CDS instalada mas também para vencer eleições legislativas e guiar o país por caminhos menos austeros.

       Costa, com certeza já terá pesado os vários factores que o farão ou não tomar iniciativa. Nesta equação entra a lei da limitação de mandatos e o facto de, no fim da legislatura (em 2017), com 56 anos, ser ainda considerado muito jovem para assumir o cargo de Presidente da República. No entanto, já se ouvem vozes a proclamar a sua capacidade para ocupar este cargo. Uma das vozes sonantes é Francisco Assis, que, depois de ter escrito no jornal Público e questionado antes de entrar na última Comissão política do partido, afirmou que “António Costa pode ser um forte candidato a Belém”.1

       E assim se junta mais uma cara ao “exército socrático” que parece estar por detrás de Costa e que serve como uma base sólida e forte dentro das várias vertentes e facções que constituem o PS. Também o afamado Almeida Santos dizia em 2011, numa altura em que se decidia se a liderança do partido iria para Francisco Assis ou para António José Seguro, que ambos eram bastante bons “mas que Costa era o seu preferido”.2

       Costa parece ainda ser muito cuidadoso na forma como se movimenta dentro do partido e das amizades que conquista, até porque existe a noção de que não seria muito habilidoso nem benéfico avançar para a liderança enquanto líder de uma facção que faz oposição a Seguro e se posiciona no espectro de uma política virada para o socratismo e que está associada com alguns escândalos governativos da legislatura de Sócrates.

     Ainda assim, é sempre preciso contar com a volatilidade das opiniões dos actores políticos, ainda que pareça que a base de apoio de António Costa não diminua significativamente nos próximos tempos, até porque quanto mais se fala neste “não assunto” mais parece que as posições se extremam e se enviam mensagens subentendidas entre apoiantes socialistas rivais, aumentando a especulação e o clima de mistério.

    As mesmas questões sucedem-se entrevista após entrevista, as mesmas dúvidas persistem e Costa parece não se conseguir “livrar” das perguntas incómodas (que poderão não ser tão incómodas caso queira continuar a reiterar a sua posição e a fazer lembrar a sua influência perante o partido), tornando-se este um tema maior que o seu próprio personagem principal. Está então lançada a pressão sobre o líder, tanto por parte dos apoiantes que, silenciosamente, se vão movimentando e sondando camaradas para perceber a dimensão do poder de uma possível candidatura, como também por parte dos cidadãos lisboetas que se interrogam se aquele que escolheram como Presidente para os próximos quatro anos acabará por abandonar o município procurando alcançar novos voos.

      Surge então, no último fim-de-semana uma oportunidade derradeira de dissipar quaisquer dúvidas que pairassem, aquando da entrevista dada na SIC Notícias no âmbito do programa televisivo “A Propósito”.

    Analisando a entrevista é possível dizer que uns bons primeiros 20 minutos foram dedicados exclusivamente ao tema “Seguro versus Costa”. Neste momento, todas as cartas são dispostas na mesa e o entrevistador consegue de Costa respostas muito directas, mas ainda assim pouco esclarecedoras quanto aos seu futuro, fazendo sempre lembrar o título do livro que lançou em 2012: “Caminho Aberto”.

      Nesta obra, Costa começa por afirmar que “nunca planeou estes 20 anos (de participação política), nem programará os próximos 20”. Afirmou também que “a acção política é a forma que encontrou de viver uma cidadania responsável, de cumprir o dever de participar na sociedade em que vivemos”. Assim, parece distanciar-se de muitas críticas que fazem à classe política actual acerca da profissionalização da política e de uma procura de cargos electivos para satisfação de interesses próprios, e afirma-se como um homem que não vive “da” política mas sim “para” a política.

       Este é um argumento que ainda hoje acompanha o ideário do líder e que esteve patente em todo o discurso veiculado ao longo da entrevista na SIC Notícias.

       Confrontado com a afirmação do entrevistador “há quem diga que é hesitante e que se não tem tropas suficientes para ganhar não avança”, Costa respondeu que já tinha percebido qual seria a tónica da conversa e decidiu então explicar com franqueza, e depois de muita especulação, o que tinha sucedido para não se ter candidatado à liderança do partido. Assim, respondeu que não queria concorrer a funções quando achava que existiam pessoas dentro do partido com melhores capacidade e melhores condições para desempenhar o cargo e que apenas ponderou avançar com uma candidatura quando viu que não existiam pessoas que cumprissem estes mesmos requisitos: uma primeira vez, em 2002, mas Eduardo Ferro Rodrigues acabou por se candidatar; e uma segunda, em 2005, em que também não avançou dada a popularidade de José Sócrates (neste ano, apoiou-o incondicionalmente, que acabou por ganhar a liderança do partido). Mais tarde, não avançou por, como afirmou, “ia começar um mandato muito difícil em Lisboa e não queria acumular mandatos”.

     Admite que considerou a Possibilidade de se candidatar da última vez que foram marcadas eleições para a liderança do partido mas que só o faria se não houvesse quaisquer condições apresentadas por todos os candidatos para unificar o partido. Tal como nessa altura, considera estarem reunidas as condições fortes do líder para manter o partido unido e estável pelo que não se sente pressionado para avançar com uma candidatura visto que as suas capacidades não são necessárias nem chamadas a “salvar” o PS.

     Outro dos pontos onde persistem dúvidas reside no porquê de se ter candidatado à Câmara da capital quando podia ter disputado e talvez até ganho numa candidatura contra António José Seguro. Quanto a isto, escuda-se, dizendo que naquela altura em particular o PS precisava de tudo menos de um conflito interno e que devia ser defendida a estabilidade intrapartidária de forma a criar uma unidade que beneficiasse o partido nas últimas autárquicas.

       Para além desta razão enunciada, afirmou ainda que acabou por se candidatar à câmara por achar difícil encontrar uma melhor solução à sua candidatura e porque uma eventual candidatura ao partido, conjugada com a candidatura às últimas eleições desgastaria muito esta última e que nenhum dos trabalhos seria bem feito.

Quanto ao factor “estabilidade”, explica que o fundamental num partido é isso mesmo e que este não serve para se medirem forças nem egos, nem para os membros se degladiarem entre si esquecendo-se da harmonia e do bom funcionamento. Deste modo, mostrou ser um socialista altamente preocupado com o partido e um membro partidário que põe os interesses e o bem-estar do mesmo antes dos seus próprios interesses.
Reitera que “não vai andar numa correria nem a atropelar os outros” porque presenciou os males que as guerras internas podem fazer a um partido, enfraquecendo-o e o trauma de uma geração socialista que viu o partido perder poder, dando espaço à difusão do “cavaquistão”, deveria ensinar e dar lições aos líderes actuais. Por isso mesmo, aceita e reconhece que o PS tem um líder em funções e que não vê qualquer motivo nem tem qualquer argumento válido, de momento, para tomar a iniciativa de provocar uma alteração nessa mesma liderança (sendo o primeiro passo recolher assinaturas e apoios para convocar um congresso extraordinário) pois o fundamental é manter a estabilidade, mas, no entanto diz que “não lhe podem exigir que nunca diga que não irá candidatar-se ao lugar de secretário-geral”.
Questionado acerca da vitória em Lisboa e da vitória nacional do PS, afirma que os socialistas não só ganharam tendo em conta os seus critérios (ter mais votos a nível nacional) como também ganharam segundo o critério que o PSD tinha imposto a si mesmo, que era o de ganhar mais câmaras, não fazendo esquecer que o PS conseguiu também “roubar” algumas câmaras aos sociais-democratas, o que se traduz numa vitória inequívoca por parte do PS.

    No entanto, reconhece que nem tudo foram rosas para o “partido cor-de-rosa”, subscrevendo o discurso mais cuidadoso de António José Seguro em que este disse que os socialistas não se deveriam deslumbrar com estes resultados nem descansar porque a vitória socialista nas próximas legislativas não estão garantidas à luz dos resultados nestas eleições autárquicas. Costa defende esta posição dizendo que não existe ainda “uma suficiente cristalização do sentido de voto no PS” nem uma imagem difundida pela população que o partido é realmente uma alternativa.

          Ao longo da entrevista aproveita também para criticar o seu partido por entrar no jogo do PSD quando utilizam a questão do défice enquanto uma arma política, esquecendo-se que são as cidades que têm aos ombros o peso de tentar amenizar os efeitos das medidas de austeridade e que o défice é um problema estrutural que não abona a criação de novos empregos.

           Um segundo momento da entrevista baseia-se nas visões de António Costa em relação ao estado da Europa actual e aos problemas sistémicos, estruturais e actuais desta união. Começa por criticar a forma como Portugal entrou na União Europeia, afirmando que os líderes actuais (à época, Mário Soares na qualidade de Presidente da República Portuguesa) deram muito pouca atenção aos argumentos que criticavam a entrada num sistema de moeda única e que essa foi uma das razões que levou o país a viver a actual situação. Não se baseando apenas no exemplo europeu, afirmou ainda que “as uniões monetárias não fomentam o crescimento igualitário das economias”, como se verifica claramente na discrepância entre países europeus de Norte e de Sul (os eternos PIGS) e criticou o hiato de especialização entre países, em parte criado pelas políticas comunitárias que apenas têm contribuído para as desigualdades entre povos.
Deixando os aspectos pessimistas de lado e tentando dar ênfase a possíveis soluções, António Costa defendeu, no seu discurso do 5 de Outubro, que a crise tem de ser ultrapassada sem esquecer os princípios fundamentais da democracia, e também uma “estratégia de desenvolvimento justo e sustentável”. Quanto ao primeiro ponto, referia-se à ideia de que a população tem de ser instruída politicamente e tem de ser informada acerca do que se passa. Quanto a isto, criticou ainda os apologistas do “vale tudo político”, “financeiro e económico”, defendendo que quem que se esquece das regras democráticas e não respeita o povo não deve ter legitimidade para exercer o seu cargo.
Quanto ao ponto da concertação nacional em volta de uma estratégia de desenvolvimento, o líder dá o mote para a criação de um sistema que fomente a competitividade, o crescimento e o emprego (levando à redução da taxa de pobreza), mas salienta que tal só pode vir a realizar-se caso haja um pensamento de solidariedade entre actores políticos, recolhendo, mais do que o apoio social (que parece claro possuir), o apoio parlamentar, o que levaria à emergência de uma força política com mais pode junto das entidades e instituições internacionais a que actualmente estamos subjugados.3

      Decorrente disto poderá existir uma mensagem subliminar ou um descontentamento latente em António Costa em relação aos partidos da coligação, mas, mais importante ainda, em relação ao próprio Partido Socialista visto que António José Seguro não tem definido claramente uma estratégia para o país nem se mostra apto e aberto para qualquer tipo de conversações nesse sentido, ao passo que o líder do município parece ter bem definida uma estratégia para o país, e claro, mais que apontar defeitos é sempre preciso mostrar soluções, o que o líder do partido não faz e o que leva a uma certa descredibilização e descrença face ao mesmo.

           Retomando a entrevista televisiva, Costa criticou duramente o Governo pela sua falta de vontade em negociar com a Troika acordos menos penosos em termos de políticas sociais, afirmando que este foi “tão diligente a cumprir a lei que foi além daquilo que os credores pediam”. Afirmou ainda a sua descrença no actual governo onde “não há convicção nem ganas de dar a volta a isto”, estando apenas conformados e prosseguindo com as directrizes necessárias para se tornar um bom aluno.

      Mudando de figura institucional, a conversa teve como temática o Presidente da República, sendo que Costa criticou a falta de iniciativa de uma figura que é fundamental em momentos de extrema importância como aquele que o país está a passar, e que o actual Presidente tem arbitrado de mais e fomentado de menos os consensos que são necessários, dizendo ainda que o mesmo está apenas “a contar o tempo para se esgotarem os mandatos e o povo voltar a decidir”.

          E já no fim da entrevista o entrevistador aborda novamente António Costa acerca do seu futuro, questionando-o acerca das afirmações do seu apoiante Francisco Assis: “se Costa quiser será o novo Presidente da República”, ao que responde “normalmente não serei candidato. Porque haverei de ser o cidadão a quem é pedido uma renúncia a ocupar um cargo de funções políticas?”.
A entrevista termina num tom de mistério e com respostas claras mas pouco esclarecedoras quanto ao futuro de Costa, dizendo este que “muita água passará por baixo das pontes”. Assim, a imprevisibilidade de acção do eterno candidato a líder socialista parece continuar a ser seu apanágio nos próximos tempos.



Joana Lemos


Fontes:
2 F.Silva, Luís e Rita, Catarina, António Costa apoia Assis Contra Seguro, in Correio da Manhã, www.cmjornal.pt (http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/atualidade/antonio-costa-apoia-assis-contra-seguro)
3 Wong, Bárbara, António Costa fala da importância da democracia, Cavaco Silva da educação, in Público, www.publico.pt, (http://www.publico.pt/politica/noticia/antonio-costa-fala-da-importancia-da-democracia-cavaco-silva-da-educacao-1608173)

Outras Fontes:
·         António Costa não exclui ambições futuras in http://sol.sapo.pt/inicio/Politica/Interior.aspx?content_id=87258
·         António Costa não exclui ambições futuras no PS in http://www.dn.pt/politica/interior.aspx?content_id=3461125
·         António Costa diz que PS ainda não é alternativa ao Governo in http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=27&did=124452

·         Seguro ou faz um flic-flac ou entra outra…António Costa in http://www.tvi.iol.pt/programa/comentarios-marcelo-rebelo-de-sousa/4529/videos/149556/video/13930938/1


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